Tudo isto é triste, tudo isto é fado

Chegámos a um ponto em que o lamento é a nossa única linguagem. Vejo com tristeza o completo desaparecimento do pensamento pessoal, dando-me conta todos os dias de um cerimonioso ritual que o português médio pratica todos os dias quando chega a casa. O ritual do embrutecimento voluntáriamente assistido, onde se troca promessas de visualizações repetidas de anuncios televisivos por ideias préconcebidas e fáceis de digerir e repetir no dia seguinte no trabalho.
O problema para mim é as pessoas não terem o devido desrespeito pelos outros que devia ter. Assim facilmente caem nos erros comuns de ler as noticias e tomá-las como boas, ouvir os politicos falar e esquecerem-se de se rir ou de colocar os livros de economia fora da secção de ficção.
De qualquer modo compram a VIP ou a Caras e discutem politica interna e às vezes externa ao almoço com os colegas de trabalho. No entanto raras são as criaturas que se preocupam em saber o que é a taxa de desemprego e se a definição da mesma é igual para todos os governos. Ouvem falar de taxa de inflação, falam dela e não sabem que é um conceito mutante com várias definições de modo a encaixar nos objectivos pretendidos do governo que a emite. Mas o problema maior é que os economistas se regem pelas mesmas regras, fazendo os seus calculos sobre conceitos martelados e ainda assim não têm a vergonha suficiente para se abstraírem de dar conselhos sobre este ou aquele investimento, esta ou aquela politica. Mas enfim, a resposta deles é a de que o teoria muda de acordo com os novos desenvolvimentos cientificos e não com aquilo que interessa publicar.
Por isso mesmo é que ninguém acredita que estamos na alvorada de uma nova era. Ninguem percebe ou quer perceber que já não percebe nada disto. Afinal os numeros nos EUA nunca estiveram tao bons, na Europa a inflação está controladissima e o melhor a fazer quando se quer um plasma é um crédito. O ouro disparou? Só pode ser especulação. O petroleo explodiu? Só mais um momento conjuntural. O dolar não vale nada? São politicas de economia externa muito complexas.
Caramba! O que é que é preciso mais para todos percebermos no buraco em que estamos?
Só o Bush filho aumentou a divida dos EUA em 18 meses mais do que todos os presidentes anteriores juntos nos ultimos 204 anos, ou seja desde que exite América. Não há ninguem de peso que se tenha de importar com o colapso do dolar por isso ninguem se vai atravessar para o salvar. No entanto os nossos economistazinhos continuam a fazer as suas previsões com base em teorias que já não são verdadeiras.
E os portuguesinhos ficam todos contentes porque vai ser o final do maléfico e abstruso reino imperial dos EUA, com a inveja natural de quem nasceu por terras lusitanas. Engolem isso com um brilhozinho nos olhos sem se perguntarem se vai ser assim tão bom para nós. Claro que não vai, vai ser completamente destrutivo do nosso nivel de vida, mas por um lado ainda bem, pois um país com a produtividade do nosso não pode ter assalariados com dois automóveis ou com o ultimo plasma na parede. Que desapareçam todos.
Estive há pouco numa grande empresa gestora de patrimonios e deparei-me com a insólita situação de ver cerca de 20 engravatadinhos atarefados com ordens de compra e venda de acções. Fui lá falar com o director comercial e a conversa chegou, já não sei como, ao investimento em ouro e petroleo. Falei-lhe das minhas visoes e o senhor pediu logo a um estagiário qualquer para lhe tirar o relatório da evolução do ouro do seu software de analise economica. Claro que ficou espantado e disse mesmo ir ponderar a ideia de iniciar uma area apenas dedicada às commodities. O estranho é que esta gente gere o património de muito boa gente. E não sabiam? Os indices bolsistas mostram que a bolsa perdeu dinheiro na realidade e ninguem tenta perceber porquê? Percebi depois que o problema são os metodos antigos para uma realidade moderna. O mundo já não é o mesmo. Ainda hoje o Yahoo mostra uma entrevista com Bush onde ele fala que a 3ª Guerra Mundial começou a bordo do voo 93, no dia 11 de Setembro de 2001.
E vão-me falar de raciozinhos e futuros, ou de warrants ou indices??
Numa economia de guerra fala-se de coisas reais, não especulativas, como o preço das matérias primas ou da industria das mesmas.
A razao pela qual estes raciozinhos confundem os analistas é a dos numeros nunca terem estado melhor. As pessoas estão a gastar fortunas, basicamente a gastar tudo o que têm. As pessoas preocupadas com o futuro não gastam o que têm, preferem poupar. Logo os raciozinhos estão a olhar para o dinheiro dos créditos das pessoas e a afirmar sem margem para duvidas que ninguem está preocupado pois o consumo está ao rubro. Eu e o leitor sabemos que não é assim. É que o ouro mostra o nivel das preocupações, e esse tem disparado. Mas como os nossos analistazinhos fizeram a faculdade toda sem praticamente ouvir falar de commodities não sabem o que isso significa. Quem sabe afirma sem pudor que a economia está a dar os ultimos suspiros antes do colapso brutal e final.
Porque raio é que as pessoas acreditam nos economistas que dizem que um crash já é coisa do passado pois o sistema já tem mecanismos automáticos de prevenção? Em 2002 houve um. Além disso continuam a levar a economia como se de um jogo se tratasse onde vale tudo para ganhar dinheiro e coloca-se um arbitro informático para o caso de o jogo sair do controle. Mas isto não é um jogo. Se eu quiser vender uma acção vendo-a nem que a vaca tussa. Nada me vai impedir. Pode atrasar, mas não impedir.
O que os numeros mostram é que todos estão na crista da onda a ganhar os ultimos tostões e sabem disso. Toda a gente está contente na bolsa porque a coisa nunca esteve tao boa, mas sabem bem que a preocupação latente está lá. O broker que não fizer dinheiro agora é pato, por isso ele tambem entra no jogo. Quando houver alguem que diga já chega e tomar acções concretas vai ser seguido por uma manada de outros iguais que vao pensar é agora. As preocupações que o ouro mostra virão todas ao de cima e cairá tudo ao mesmo tempo.
Só espero que essa altura não esteja longe.
Entretanto ninguem se mobiliza pelo roubo descarado dos impostos a que somos sujeitos todos os dias mas nem é preciso chamar quando é para partir os vidros do carro do treinador do Porto ou invadir as casas dos jogadores do Vitoria de Guimarães.
Todos falam mal do aumento dos combustiveis que lhes rouba partes enormes do orçamento familiar mas ninguem age. Mas quando toca a chutar futebol para a veia já toda a gente embarca na coisa e são os primeiros a defender a justiça e a dignidade desportivas.
Os governantes aplaudem e agradecem.